As chuvas dos últimos dias trazem, além da preocupação com os desabamentos de imóveis e deslizamentos de terra, outro alerta: o risco da leptospirose. Isso porque o contato com as águas acumuladas em poças, que invadem casas e provocam alagamentos, é o meio adequado para o contágio pela doença, que e transmitida pela urina de ratos. Este ano, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) registrou 21 ocorrências na capital baiana. Em 2008, no mesmo período (janeiro a abril) foram 35. Dados da Secretaria Estadual de Saúde evidenciam que Salvador, até o dia 22 de abril, teve 26 casos notificados, de um total de 53 no Estado. Com relação a Salvador, historicamente os dados sobre leptospirose não batem quando analisados os números da SMS e da Sesab. Em qualquer contagem, porém, o aumento de registros da doença é certo após o período chuvoso. Há ainda o agravante dos sintomas serem confundidos com os da dengue, uma vez que são comuns: febre e dores de cabeça e no corpo. “Devido à maior freqüência, a tendência é achar que é dengue”, observa a sanitarista Cristiane Cardoso, coordenadora da Vigilância Epidemiológica da SMS. Na quinta-feira, o órgão promoveu uma sessão técnica visando esclarecer os profissionais de saúde sobre a possibilidade de crescimento do número de vítimas de leptospirose e seu diagnóstico. Cristine Cardoso explica que o principal modo de confirmar a doença é através de exame laboratorial. Quanto aos sintomas, o diferencial está nas dores na panturrilha (batata da perna), característica da leptospirose. “O médico deve investigar se a pessoa teve contato com água da chuva e lama e por quanto tempo”, acrescenta a coordenadora. BACTÉRIA – A leptospirose é transmitida pela bactéria leptospira, presente em ratos contaminados que a eliminam através da urina. A bactéria não faz mal aos roedores. Contudo, é lesiva aos seres humanos que têm contato com a água infectada e o contágio se dá através da pele. Quanto maior o tempo de exposição à água e a presença de feridas, maior a possibilidade de contrair a doença. Na sua forma simples o combate à bactéria é com antibióticos. Em sua forma grave, chamada de Síndrome de Weil, o paciente pode desenvolver insuficiência renal e respiratória e hemorragia pulmonar, com risco de óbito. “Nesses casos é preciso internamento em UTI e tratamento mais severo com antibióticos”, indica a sanitarista. Ela acrescenta que a forma grave da leptospirose atinge mais comumente homens adultos, e dificilmente crianças, que, por sua vez, são as vítimas mais freqüentes da dengue grave. DESIGUALDADE – Em Salvador, em 2008, foram notificados 129 casos de leptospirose e 11 óbitos, conforme a Sesab. Este ano houve 21 casos e uma vítima fatal, segundo a SMS. Salvador está entre as cinco cidades brasileiras com maior incidência da doença, ao lado de Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, segundo Federico Costa, biólogo argentino e doutorando do Núcleo de Pesquisas de Leptospirose da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz). A pesquisa, feita em parceria com o Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura e o Hospital Couto Maia, tem várias vertentes: análise de fatores socioambientais das comunidades em que há incidência, detecção de casos graves e melhores formas de tratamento, desenvolvimento de vacina e de um teste rápido. Este último espera-se que esteja no mercado no próximo ano. Ele permitirá o diagnóstico em 15 minutos. Atualmente, de acordo com Costa, a Fiocruz dá o resultado em três a cinco dias e o Laboratório Central (Lacen) em uma semana. Costa destaca que os fatores ambientais são o principal risco para a disseminação da doença. “As desigualdades socioambientais, com deficiências estruturais e falta de saneamento básico, favorecem a alta infestação”, ressalta o estudioso. PRECAUÇÕES – Ele destaca que a população também pode se prevenir com ações simples, como evitar a exposição à lama e água das chuvas. No caso de precisar desobstruir canais e esgotos, limpar quintais e casas alagados, o ideal é usar botas e luvas. Não tendo equipamentos de proteção, podem-se usar sacos plásticos. Evitar o acúmulo de lixo é uma forma de afastar os ratos, transmissores da leptospirose. As sugestões de Federico Costa, biólogo argentino e doutorando do Núcleo de Pesquisas de Leptospirose da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), para que a população ajude no combate à leptospirose, são importantes e válidas. Mas nem sempre isso é possível para quem vive em áreas da cidade castigadas pelo esquecimento do poder público. Na Baixa do Petróleo, no bairro de Massaranduba, próximo ao local onde faz pouco tempo ainda havia palafitas, o saneamento básico deixa a desejar. O lixo está por toda parte: em terra e flutuando no mar. A chuva que caiu na manhã de sexta, por exemplo, entupiu fossas construídas para ser provisórias e formou mais lama no chão de barro. Com sandálias abertas e mãos sem luvas, os próprios moradores tentavam desvendar a origem do problema para consertá-lo. “Com certeza, a gente se preocupa (com a leptospirose), mas fazer o quê?”, resigna-se o pedreiro Antônio dos Santos, 40 anos, que dá seu depoimento ao mesmo tempo em que usa uma pá para não meter a mão na água suja da fossa. DESCASO – Um vizinho que preferiu não se identificar se mostra indignado com o descaso da administração pública. “Tiraram as palafitas dizendo que iam urbanizar e está desse jeito”, diz apontando para o lixo espalhado e para a lama que tomava toda a área. Moradores de Massaranduba garantem que em toda a área há muitas ratazanas, “do tamanho de preás”, que, inclusive, chegam a invadir as casas. Dentro desse quadro, a grande necessidade é a presença efetiva do poder público.
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